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“Pouco valor terá a catequese, mesmo substanciosa e segura, se não for transmitida com eficiência de expressão e apoio daqueles subsídios didáticos que hoje se apresentam sempre mais ricos e sugestivos”.
(João Paulo II)

sábado, 4 de dezembro de 2010

O Pote e a Missão



POTE – Pote é uma vasilha de barro utilizada para se por água. Para receber a água ele deve estar vazio. O estar vazio faz parte de sua identidade. Quando ele está novo e ainda não foi curtido, a água que se põe nele tem gosto de barro. Na medida em que ele fica curtido, a água depositada nele conserva o gosto de água. Ele deixa a água ser água. O pote quando está cheio de água fica sempre umedecido. A umidade da água passa pelas paredes do pote. Lança-se para fora.

SIMBOLOGIA DO POTE – O serviço da Missão tem muito a ver com o Pote. Para bem iniciarmos e desenvolvermos um trabalho missionário devemos ser “potes” com sua verdadeira identidade. Isto quer dizer potes vazios. Pote vazio não deixa de ser pote, apenas está preparado para receber a água. Quando nos comparamos com potes vazios, não quer dizer que ignoramos nossas potencialidades. Significa que a primeira atitude da Missão é esvaziarmos de nós mesmos, de nossos projetos pessoais para nos enchermos de Deus. Quando no início do trabalho missionário somos “potes vazios”, o mistério de Deus penetra em nós, nos toca, nos curte. Vamos percebendo as dimensões deste mistério. A partir daí o trabalho missionário que realizamos é transpiração, testemunho da água viva do projeto de Deus e não tanto uma projeção nossa. Quando na missão somos “ potes cheios” de nós mesmos passamos a ser “atração”, “show”. Isto nos leva ao estress. E aí, onde fica Deus e o testemunho do anonimato?

A simbologia do pote nos lembra um ponto básico no trabalho missionário: o despojamento, a Kénosis.

KÉNOSIS DE JESUS. Jesus, o missionário do Pai, inaugura sua presença missionária entre nós pela via kenótica. “Esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentado-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente, até a morte e morte de cruz” (Fl 2,7-8). Jesus se despoja num serviço total. Ele deixa claro que a Kénosis leva à Ressurreição. O Jesus que ressuscitou é o mesmo que morreu. Jesus vitorioso é o mesmo que experimentou o fracasso. Jesus ressuscitado testemunha que vida entregue gera vida. “Se o grão de trigo não cair na terra não produzirá frutos”.

A prática kenótica de Jesus fica bem clara no sermão das Bem-aventuranças. Elas são o caminho da missão. Seguir Jesus na sua prática das Bem-aventuranças requer uma mudança interior. É a conversão ao Evangelho que nos leva à verdadeira ação missionária. Esta conversão exige de nós a pequenez de um coração pobre, humano e humilde. Isto fica ainda mais claro quando observamos que bem no meio das Bem-aventuranças está a bem-aventurança da compaixão-misericórdia, como o grande carisma missionário de Jesus.

VIA KENÓTICA DE PAULO. O despojamento de Paulo vai acontecendo através do caminho de Damasco, no contato com a comunidade, no deserto e diante das crises experimentadas no seu jeito de fazer missão. Tudo isto leva Paulo a uma grande interiorização do Evangelho da Cruz. A sua via kenótica desenvolve-se dentro de um processo progressivo: 1. A Kénosis de ser para Jesus. Paulo vive, sofre e passa pelo processo do êxodo-pascal para ressuscitar como um homem totalmente tomado por Jesus (Cf Gl 2,19-20).

2. A Kénosis de missionar do jeito de Jesus. Em Atenas, Paulo entra em crise porque encheu seu pote de seus esquemas (At 17, 16-324). A crise de Atenas leva Paulo a um despojamento de si mesmo. A partir de então refaz seu projeto missionário (Rm l5, 1-23), onde domina muito o despojamento, a acolhida e a solidariedade. Passa a testemunhar o Evangelho da Cruz: Tem uma maior consciência da fraqueza do missionário (a) e dos meios usados por eles. Passa a entender que é na hora que sentia fraco é que era forte (2 Cor l2, 1-10).

3. A Kénosis de viver e permanecer com Jesus até o fim ( Rm 8, 35-39). A partir daí ele nos aconselha a ter os mesmos sentimos que havia em Jesus Cristo” (Fl 2, 5).

TRINDADE: MAIOR GESTO MISSIONÁRIO. Através da Kénosis de Jesus e de seu discípulo Paulo vamos entendendo que a missão não é propriedade nossa. É a expressão do dinamismo missionário da Trindade ( Cf AG 2). Ela é o ato missionário completo: Cria – Redime – Santifica.

A missão tendo origem na Trindade se torna para nós uma questão de fé. Ela se torna a medida de nossa fé (Cf RM 11). Ela renova a Igreja, revigorando sua fé e sua identidade. (Cf RM 28). A missão tem no Espírito de Deus seu primeiro agente, seu guia e seu impulsionador ( Cf RM 21. 24. 37). Sem a ação do Espírito Santo não há Evangelização. Ele é a alma da Igreja. As técnicas da Evangelização são boas, mas não substituem a ação discreta do Espírito Santo. (EN 75).

ESPIRITUALIDADE DO MISSIONÁRIO. Na medida em que o missionário vai se deixando tocar pela simbologia do pote ele vai esvaziando-se de si mesmo e deixando Deus ser Deus dentro dele. Adquire o verdadeiro temor de Deus, reconhecendo que Deus é o Absoluto e nós somos criaturas. Ele nos abre ao imprevisível de Deus e relativiza nossa auto-suficiência.

A espiritualidade requer que o missionário(a) seja uma pessoa de silêncio. O silêncio é mais do que não-falar. É uma atitude de escuta da Palavra de Deus. Deste modo o silêncio se torna a morada desta Palavra . Dá fecundidade à esta Palavra. O silêncio faz arder nosso coração com o fogo interior do Espírito. O silêncio é uma atitude interior em que nos abrimos para a realidade de Deus que nos envolve.

Juntamente com o silêncio a espiritualidade missionária se alimenta na contemplação. A contemplação é a descida humilde da mente para o coração. Refletimos e rezamos a sabedoria da Palavra de Deus que se apresenta na Bíblia e na realidade da vida. Quando esta Palavra de vida desce para o coração ela se torna inspiração contemplativa e missionária. A contemplação é uma atitude de abandono aos apelos do Amor de Deus. Por isso mesmo ela nos desinstala e nos leva por caminhos desconhecidos, facilitando um novo olhar para a realidade. Deste modo é a contemplação que nos impulsiona para a missão “ad gentes” e não a curiosidade do diferente ou de ser diferente.

Através da contemplação começamos a enxergar e ver o cotidiano com um coração novo e espírito novo (Cf Ez 36, 26-27). A contemplação reforça em nós o sentido de pertença e permanência na vocação missionária. Aumenta o zelo e o espírito de unidade do missionário (a). Reanima o fervor do missionário (a), dando-lhe força para semear mesmo entre lágrimas. A contemplação nos leva, a exemplo de Carlos de Foucauld, a “Gritar o Evangelho com a Vida”. A falta de fervor se manifesta no cansaço, na desilusão, no desinteresse e sobretudo na falta de alegria e esperança (Cf EN 76.79.80). A contemplação ajuda o missionário (a) a ser constante na execução do trabalho missionário, aberto ao diálogo e ser pessoa comunitária.

Neste instante em que a vida religiosa é chamada a reavivar seu profetismo missionário, a simbologia do pote nos lembra que a missão é antes de tudo um estado de ser possuído por Deus que nos leva a fazer ações missionárias. A Kénosis é uma atitude básica para o discipulado missionário. Sem ela não seremos os (as) missionários (as) do silêncio contemplativo. Nosso zelo, nosso fervor, nossa unidade terão fôlego curto.
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