INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ[1]
Pe. Almir Magalhães
O processo conhecido como iniciação à vida cristã não é uma novidade na Igreja, na medida em que remonta aos séculos II até o IV, onde os cristãos num clima de hostilidade e de perseguição necessitavam de uma formação sólida e demorada que se convencionou chamar de catecumenato. Hoje, diante da fragilidade do modelo de iniciação que temos, pobre ou fragmentado, há a necessidade de se recuperar o estilo catecumenal, que gesta discípulos porquanto se baseia no seguimento de Cristo. O presente texto é uma modesta colaboração para se entender este processo ontem e hoje.
Palavras chaves: iniciação à vida cristã, catecumenato, resgate, mudanças societárias.
1. INTRODUÇÃO
O ponto de partida de nossa reflexão é a constatação do estágio atual de nossa catequese da iniciação. É uma iniciação que predominantemente, não leva ao discipulado não parte de um ENCONTRO COM JESUS CRISTO VIVO, não leva os destinatários a serem DISCÍPULOS do Senhor, não gera uma esperada participação eclesial, desconhece a interação fé x vida e a integração com a dimensão litúrgica, a ação celebrativa.
Também a consciência de que o mundo mudou e o Evangelho já não permeia toda a sociedade como no período da cristandade, na assim chamada imersão cultural. Não é necessário que a catequese deixe de ser doutrinal, entretanto ela se coloca hoje dentro de um novo dinamismo, o missionário evangelizador e adquire as características de um real processo de iniciação à fé.
O modelo de iniciação cristã que remonta aos primeiros séculos do cristianismo, é aquele no qual a recepção dos três sacramentos: batismo, confirmação e eucaristia se dá em conjunto e passa por um processo adequado de fé. É um itinerário que se dirige a adultos e jovens não batizados (chamados de catecúmenos) e adultos e jovens batizados que não percorreram o caminho catecumenal e/ou não receberam os sacramentos da confirmação e/ou da eucaristia. Referido modelo responde à necessidade da maioria dos católicos que foram batizados quando crianças e não completaram o caminho da iniciação.
Algumas experiências sobre o caminho da iniciação cristã dão conta de que tudo começa depois da solenidade de Pentecostes e segue, domingo a domingo, a Quaresma e o tempo pascal do ano seguinte. Esta formação, conhecida como catecumenal, mais do que ser doutrinária, é enfocada como discipulado, cuja principal característica é adquirir um modo de ser e de viver consoante ao de Jesus.
Diante da constatação de que é urgente uma mudança nos rumos do atual modelo de catequese e consequentemente da mudança do perfil do (a) catequista é que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em sua 47ª Assembléia Geral (2009), colocou o tema da Iniciação à vida cristã como um tema prioritário e desta Assembléia originou-se um documento da série Estudos da CNBB.[2]
Como são utilizados alguns autores no texto e não há um consenso em torno da nomenclatura utilizada – iniciação cristã e catecumenato, neste texto os termos serão utilizados como sinônimos. Explicitando: para os especialistas no assunto há nuances ou divergências na compreensão destes termos Alguns entendem que o catecumenato é todo o processo da iniciação cristã, mas isto não é correto, sendo o catecumenato apenas uma das fases de preparação que o candidato percorre antes de receber os sacramentos[3]. Outros afirmam que a “iniciação cristã” e “catecumenato” são tomados como sinônimos[4]; entretanto, faz-se necessário uma distinção, uma vez que a Iniciação Cristã põe o acento no sacramental e o catecumenato está relacionado mais com a catequese.[5]
Como última informação introdutória, a afirmação de que, embora os fundamentos da iniciação cristã e catecumenato estejam alicerçados na Patrística, o que se pede hoje é que, conhecendo as origens do processo em tela, que possamos, através de uma hermenêutica, atualizá-lo; não é uma repetição mimética como faz o Caminho Neocatecumenal (basta conferir o Cap. IV do seu Estatudo), embora existam no mesmo aspectos positivos; daí se entender que hoje devemos enfrentar a iniciação à vida cristã não dentro de uma repetição dos primeiros séculos, mas a partir de uma inspiração, de um estilo denominado de catecumenal, com prioridade na catequese com adultos.
2. AS ORIGENS DO CATECUMENATO[6]
Inicialmente o cristianismo vai se limitar às cidades, ao ambiente urbano. Paulo e os demais apóstolos e diáconos fundam comunidades cristãs em cidades, mas em breve a fé cristã se alastra para o campo, onde encontra muitos cultos ligados aos ciclos da natureza, adorador de deuses e deusas.
Diante da expansão do cristianismo há uma tripla reação. A primeira parte dos próprios cristãos que, desde o começo, passam a propor aos outros, pelo testemunho e pela pregação, o novo caminho, como sentido de vida, mostrando que em Jesus se encontra a salvação. É a missionariedade da fé cristã. A segunda é de simpatia e de admiração por parte dos judeus e pagãos, que manifestam o desejo de participar do novo grupo que segue Jesus. A terceira e última reação é a crescente hostilidade por parte de um grupo de judeus que chega a perseguir os apóstolos, prendê-los, proibí-los de anunciar Jesus, processá-los, condená-los à morte.
Neste sentido, desde o começo do cristianismo, existe uma iniciação básica ao Evangelho e à comunidade cristã para os não-cristãos. É o anúncio do Evangelho para provocar a conversão, a adesão a Jesus Cristo, como também a adesão a um novo modo de viver o relacionamento com Deus e com as pessoas (isto se chama KERIGMA). Entretanto, há depois um aprofundamento mais abrangente, completo e progressivo para os neo-convertidos. É a DIDAKÉ, a explicação da Escritura Sagrada, confrontando-a com os acontecimentos cristãos (oração, partilha dos bens, integração na comunidade, testemunho da ressurreição (cf. At. 2,24-4 e 4, 35-37).
A história desse processo de iniciação básica e de aprofundamento e maturação nos primeiros séculos é muito complicada, mas ao mesmo tempo significativa. O contexto histórico do começo do cristianismo é de muita adversidade aos cristãos, que são minoria e que passam a ser perseguidos e isto durou até 313 d.C. quando Constantino assina o Edito de Milão, dando liberdade a todas as religiões.
A Igreja, num contexto de perseguição reconhece que é necessário um extremo cuidado com os que se apresentam e estão dispostos a ingressarem na comunidade. É preciso conhecer bem as motivações e intenções dos candidatos, seus antecedentes e estilo de vida. Reconhece também que, pelo fato de alguém passar a ser cristão, automaticamente entra no esquema de perseguição, pois, pode ser preso, obrigado ao culto aos ídolos e ao imperador e provocado a renegar a Cristo.
Neste longo período de perseguições e das rupturas internas (heresias), a experiência vai mostrando aos cristãos a absoluta necessidade de fidelidade à interpretação dada pelos apóstolos a Cristo e a seus ensinamentos e, ao mesmo tempo, de uma grande seriedade e exigência na preparação dos candidatos a cristãos, os recém-convertidos.
Não se cogita, nestes primeiros séculos, na possibilidade de conversão de crianças e jovens. A comunidade eclesial aceita sem problemas, mesmo sem ser batizados, todos os que morrem por causa de Jesus, pelo simples fato de ser filhos de cristãos. É certo que a atenção primeira, quase total da comunidade eclesial, está voltada para a preparação de adultos à fé e ao batismo, pois precisam de muita firmeza, já que são eles o primeiro alvo tanto da perseguição de judeus e de romanos, como de proselitismo por parte dos que se separam ou são considerados heréticos pela Igreja.
2.1 - O CATECUMENATO
Depois da morte do último apóstolo, João Evangelista, por volta de 98 d.C., há iniciativas de se organizar um processo de preparação das pessoas à conversão. A denominação “catecúmeno” dada especificamente aos que se preparam ao batismo, é do começo do séc. II do cristianismo. Trata-se de alguém que entra na dinâmica de deixar a Palavra de Deus fazer eco dentro de si. O objetivo é aprofundar a fé, como adesão pessoal a JC e ao que ele revela. Esta adesão é conseqüência do KERIGMA. A conversão, portanto, a fé pessoal em Jesus Cristo, é condição para poder ingressar no catecumenato. Para os padres da Igreja o batismo é o “selo da fé” e isso exige uma séria preparação dos candidatos, em passos sucessivos, que, com algumas variáveis, geralmente se faz em 4 tempos e 3 etapas.[7] Etapas significam “portas” algo que se abre proporcionando avanço na caminhada, marcadas por uma celebração específica que assinala a situação do iniciando dentro do processo, na passagem para o tempo seguinte, ou seja, cada progresso é marcado por uma celebração. Ponto de chegada e conclusão de um período (tempo) e passagem para o seguinte.
No primeiro tempo (pré-catecumenato) acontece o primeiro anúncio (ou o novo anúncio dependendo do caso) = kerigma do mistério de Cristo. Esta fase se distingue, essencialmente, pela acolhida dos que desejam ser cristãos e ingressar na comunidade dos fiéis. (cf. RICA nº. 14). Fase que motiva o candidato a mudar de vida e entrar em relação pessoal com Deus. A duração é ilimitada.
Segue-se a este tempo a 1ª. Etapa com o Rito de Admissão ao Catecumenato
No segundo tempo, o catecumenato, considerada a fase mais longa de todo o processo, ocorrem as catequeses sobre a história da salvação e do Creio e do Pai Nosso, com suas implicações morais[8] Ressalte-se que é uma catequese ligada à celebração da Palavra. Pela catequese disposta em etapas, relacionadas com o ano litúrgico e apoiada nas celebrações da Palavra, os catecúmenos chegam à íntima percepção do mistério da salvação. Duração de 1 (um) ano. Aqui acontece a catequese que explica o Símbolo Apostólico e o Pai Nosso.
Os ritos próprios deste tempo expressam o encorajamento da Igreja, na luta que os catecúmenos empreendem para superar as próprias limitações e as armadilhas do mal, já que não possuem, ainda, a graça dos sacramentos. O tempo do catecumenato é marcado pela catequese e por uma dimensão celebrativa mais intensa nos encontros, que incluem celebração da Palavra, exorcismos menores, bênçãos e caso seja realizado neste tempo, o rito da unção. Desta forma, a liturgia e a catequese são duas formas privilegiadas de edificação da comunidade cristã.
Segue a este tempo a 2ª. etapa a celebração da eleição ou inscrição do nome. É uma celebração muito solene porque é o momento forte de todo o catecumenato. São “eleitos” para os sacramentos pascais.
No terceiro tempo (tempo de purificação e iluminação), transcorre durante a quaresma. Os eleitos vão conhecendo gradualmente o mistério do pecado. Tempo de amadurecer as decisões, de se ressaltar mais o cultivo da vida interior. Procura-se purificar os corações e aprofundar a conversão pelo exame de consciência e penitência. Neste tempo acontecem os escrutínios = exame da conduta moral, descobrir o que houver de imperfeito, fraco e mau no coração dos eleitos, para curá-los e o que houver de bom, forte e santo, para consolidá-lo. [9] a entrega do Creio e do Pai Nosso visando a iluminação.[10]
Segue a 3ª. etapa= celebração dos sacramentos da iniciação.
A Vigília Pascal é o ápice de todo o processo porque os eleitos são configurados com Cristo por meio dos três sacramentos pascais. Nossa vida inteira é um contínuo morrer e ressuscitar em Cristo.
No terceiro tempo, que é conhecido como mistagogia e é realizada no Tempo Pascal. Tempo próprio daqueles que foram batizados de aprofundarem a experiência proporcionada pelos sacramentos e, assim, tomarem parte no mistério de Cristo. Um mergulho maior no mistério. É o tempo de “se obter o conhecimento mais completo dos mistérios através das novas explanações e sobretudo da experiência dos sacramentos recebidos”[11]
O caminho de formação do cristão, na tradição mais antiga da Igreja, teve sempre caráter de experiência, na qual era determinante o encontro vivo e persuasivo com Cristo, anunciado por autênticas testemunhas. Trata-se de uma experiência que introduz o cristão numa profunda e feliz celebração dos sacramentos, com toda a riqueza de seus sinais. Assim, a vida vem se transformando progressivamente pelos santos mistérios que se celebram, capacitando o cristão a transformar o mundo. [12]
Obs: O candidato que solicita sua admissão entre os catecúmenos é acompanhado por um introdutor. (cf. RICA n. 42)
3. A DECADÊNCIA DO CATECUMENATO[13]
No século IV as circunstâncias políticas do Império Romano passam por mudanças profundas, que vão afetar de maneira decisiva aspectos basilares do cristianismo, principalmente em sua organização histórica. Essas mudanças vão afetar o catecumenato e a catequese, cujos efeitos sentimos até hoje.
É com Constantino, que foi aclamado Imperador no ano de 312 e no ano seguinte promulga um Edito, dando liberdade a todas as religiões e direitos iguais entre elas. Por influência de sua mãe, Santa Helena e as amizades dela com os líderes cristãos, em breve, o imperador passa a favorecer o cristianismo. A Igreja deixa de ser perseguida e escondida e passa a gozar de cidadania, e mais do que isto, é privilegiada.
Constantino é reconhecido e elogiado pelos cristãos. Isso o leva a mais favores à Igreja, vinculando-a, porém, cada vez mais à sua autoridade, ao Estado, evidentemente com intromissões suas em questões religiosas.
Com esse favoritismo do cristianismo, muitos cidadãos pedem o batismo, ingressam no catecumenato, mais por interesse político do que realmente como resultado de conversão. O povo, em quantidade cada vez maior, pede o batismo. Não há como atender a tanta gente segundo o processo longo, exigente e complicado do catecumenato. Muitos são cristãos, mas de modo superficial, por costume, por obrigação ou por interesse. Existem protestos, reações quanto ao esvaziamento do catecumenato, a essa decadência geral do cristianismo, mas em vão.
Em 325, o Imperador diante dos ensinamentos de Ário, que nega a divindade de Cristo, convoca todos os bispos para um Concílio Ecumênico na cidade de Nicéia onde ali se decidiu pela condenação da doutrina ensinada por Ário e se formula o Credo de Nicéia como síntese da verdadeira fé, mas posteriormente o Imperador se filia ao grupo de Ário, depondo bispos, substituindo-os por outros filiados àquela heresia. Os sucessores de Constantino também são arianos.
Um dos sucessores de Constantino, Teodósio (378-395) é cristão convicto e estabelece o Credo de Nicéia como fé para todo o império romano, persegue o arianismo e no ano de 380 com o Edito de Tessalônica, proclama o cristianismo como religião do Estado e os cristãos recebem proteção oficial, os pagãos e hereges são perseguidos. As multidões não vêem outra saída que passar para o cristianismo e, neste caso, não dá para fazer uma preparação prolongada através do catecumenato.
Aos poucos se firma o que os historiadores denominam de Idade Média, o longo processo de consolidação do regime de cristandade (l6 séculos), que tem suas sementes em Constantino.
3.1 – A CRISE DO CATECUMENATO
É neste complicado momento da história que o período de ouro do catecumenato e da catequese (séc. III e IV) entra em crise. Em pouco tempo a Igreja uma importante e vital organização que lhe garante fiéis bem preparados, integrados na liturgia, familiarizados com a Sagrada Escritura, centrados em Jesus Cristo, enfim, uma experiência fundante da vida cristã.
A perseguição favorece a solidez na fé, união, apoio, solidariedade entre os cristãos. Os favores do império romano ao cristianismo passam a enfraquecer as motivações para a fé, o caminho catecumenal, os compromissos. A catequese e o catecumenato vão ruindo.
No século IV, ainda na gestão de Constantino, além do batismo em massa para adultos, tem início o batismo de crianças, que em pouco tempo alcança ampla generalização. No período da cristandade alguém que nascia só podia ser cristão, por escolha ou não. É a Catequese por imersão (Séc. V ao XVI – cf. Cat. Renovada nn. 8 e 9). Neste sentido, para que o catecumenato, se todos são obrigados a ser cristãos? Depois, quando a catequese é retomada, vai se limitar, por muitos séculos, às crianças, em função da primeira eucaristia e da crisma, pressupondo a fé, automaticamente recebida no batismo nos primeiros dias após o nascimento,
4. RESGATE DO CATECUMENATO A PARTIR DO CONCÍLIO VATICANO II E NO PÓS-CONCÍLIO[14]
O tema do catecumenato não vem à tona por acaso. A necessidade de restauração do mesmo aparece no Concílio Vaticano II em três de seus documentos:
No Decreto Christus Dominus, sobre o múnus episcopal, há três parágrafos sobre a renovação da catequese e também para o restabelecimento do catecumenato. [15]
Na Constituição Sacrosanctum Concilium, sobre a renovação da liturgia, também há a solicitação de restauração do catecumenato de adultos. [16]
Entretanto, é no Decreto Ad Gentes, sobre a atividade missionária da Igreja que estão incluídos os textos conciliar mais importante sobre o catecumenato. O texto é incisivo e detalhado quanto ao catecumenato de adultos. [17]
O restabelecimento do catecumenato, afirma Seumois, “não vem exigido pelo atrativo externo de uma fórmula de moda, e menos ainda por uma nostalgia romântica por esta antiga instituição. Seus motivos são muito mais profundos; vêm, na realidade, exigidos pela lógica própria do pensamento conciliar. É um concílio missionário. Praticamente, desde o século XVI os missionários com espírito apostólico haviam solicitado repetidas vezes a restauração do catecumenato.”[18] Acrescente-se ainda a tudo isto a secularização e a conseqüente descristianização da sociedade, a sociedade moderna e ‘pós-moderna’, a tecnologia com a nova compreensão de espaço e tempo,a telinha que muda a forma de compreender o mundo,o pluralismo religioso e societário (o encontro com o diferente), o fenômeno urbano, uma economia de mercado que gera exclusão.
Em 1972 é publicado o RICA, que, oficialmente e de modo bastante prático faz a Igreja voltar ao catecumenato de adultos, sobretudo na liturgia. [19]
Em 1979 o Papa João Paulo II publica a Exortação Apostólica sobre a Catequese Hoje onde reflete não mais sobre a restauração do catecumenato, mas sobre a catequese com adultos, identificando-a como a forma mais importante da catequese. [20]
No Brasil, em 1983 a CNBB publicou o Doc. Catequese Renovada. Aqui também há uma fortíssima indicação de que a catequese deve orientar seus melhores agentes na direção de uma catequese com adultos. [21]
Em 1997 é publicado o Diretório Geral para a Catequese, que dedica vários números sobre a iniciação cristã e o catecumenato batismal. [22] Como se percebe o Diretório consagra para toda a Igreja a dimensão catecumenal, como essencial para qualquer tipo de catequese, batismal ou pós-batismal, para adultos, jovens e crianças.
Em agosto de 2005, a CNBB publicou o Diretório Nacional de Catequese. Referido documento dedica vários números tratando da catequese colocada a serviço da iniciação cristã[23], como também as excelentes reflexões sobre a catequese inspirada no processo catecumenal, que deve iluminar qualquer processo catequético. [24]
O mais recente documento que de maneira explícita e implícita conduz a uma catequese que produza frutos do discipulado é o Documento de Aparecida. Na verdade todo o documento é perpassado pela idéia do encontro com o Cristo vivo, do discipulado e da missionariedade. Explicitamente trata da iniciação cristã e acabou servindo de base para um texto que foi apresentado na 47ª. Assembléia da CNBB e que se tornou Documento de Estudos da CNBB. [25]
Portanto, sob impulso do Vaticano II e desdobramentos posteriores, de muitos estudos acadêmicos e pesquisas históricas, mas principalmente devido a experiências em todas as partes da Igreja, hoje há uma redescoberta do catecumenato. Há, portanto, um grande esforço para recuperar o verdadeiro sentido da Iniciação Cristã e atribuir a ele o lugar que lhe corresponde na vida da Igreja. Podemos destacar as seguintes causas desta volta ao catecumenato: [26]
- Desafios da família: a secularização e a descristianização galopante já não permitem que a família cumpra a sua função, que durante a cristandade exercia, de iniciar à vida cristã. Raras vezes ela se torna um âmbito cristão capaz de formar na fé. Outras instituições assumem sua tarefa educativa.
- Desafios da sociedade: profundamente unida à Igreja, ela cumpria, durante o regime de cristandade, a função do catecumenato social. Hoje não se pode pensar numa “iniciação” de forma espontânea. O secularismo e o pluralismo levam à debilidade da fé. Nem mesmo a socialização religiosa é capaz de transmitir valores dos antepassados. Hoje ninguém é crente por tradição, mas por opção pessoal.
- Estas mudanças epocais levaram o DGC a falar até de “ambientes pós-cristãos”, diante dos quais é necessária uma postura missionária por parte da Igreja, e conseqüente retorno ao catecumenato.
- Visão distorcida dos sacramentos: influenciada pelos problemas da sociedade atual, a celebração dos sacramentos recebe influência do ambiente secularizado. Assim, nossos batizados não estão verdadeiramente iniciados na fé ou porque não tiveram uma catequese adequada, ou não concluíram sua iniciação ou porque ela não foi suficiente. Por isso não assumem firmemente os compromissos do seu batismo; são “sub-iniciados” na fé.
- Impotência da catequese: apesar de todas as conquistas do movimento catequético mundial, e particularmente latino-americano nestes últimos 50 anos, a catequese continua com grandes dificuldades para transmitir a fé e iniciar à vida cristã.
- Acontecimentos eclesiais: Algumas conquistas no âmbito eclesial, impulsionam a catequese para o resgate da dimensão catecumenal: maior conhecimento da obra catequética dos Santos Padres e do catecumenato primitivo, a renovação litúrgica e catequética pós-conciliar, os recentes trabalhos de pesquisa histórica e teológica sobre a iniciação cristã e principalmente a crescente consciência missionária da Igreja na educação da fé.
5. CARACTERÍSTICAS DE UMA CATEQUESE COM INSPIRAÇÃO CATECUMENAL
Uma das características fundamentais deste método é que ele proporciona a formação integral a partir da interação catequese-liturgia-conversão dos costumes. Utiliza uma metodologia que combina três componentes fundamentais proporcionando-lhes serem iniciados: [27]
a) Por uma catequese apropriada, disposta em etapas, relacionada com o ano litúrgico e apoiada nas celebrações da Palavra, os catecúmenos chegam à íntima percepção do mistério da salvação.
b) A partir das disposições interiores manifestadas durante o catecumenato, os candidatos adquirem maturidade espiritual; graças aos ritos litúrgicos, purificam-se pouco a pouco e conservam-se pelas bênçãos divinas. Esse itinerário supõe um processo pedagógico de conversão que deve aumentar sua vivência de fé, esperança e caridade, como resultado da ação do Espírito dispensado pelos ritos sagrados. Portanto, relaciona-se com a ação celebrativa.[28]
c) A relação anúncio do mistério-ação celebrativa-vida ressalta a unidade que se dá entre celebração da fé e vivência cristã. A mesma graça dada na celebração prossegue na vida; o candidato irá praticar na vida aquilo que experimentou com a razão e consentiu na oração; portanto, deve anunciar aos outros (testemunhar) a sua nova maneira de ser. É a interação entre anúncio e vivência da fé. Portanto a conversão e a fé vão processualmente amadurecendo.[29]
d) Quer garantir uma formação integral, num processo em que estejam presentes a dimensão celebrativo-litúrgica da fé, a conversão para atitudes e comportamentos cristãos e o ensinamento da doutrina. [30]
e) Compreender a mútua relação e unidade de sentido dos três sacramentos num processo adequado de maturação da fé; estando os mesmos separados hoje que se compreenda a unidade através de uma preparação sistemática.
f) Todo o processo é centralizado no mistério pascal, raiz comum de todos os sacramentos.
g) A formação catecumenal é enfocada como discipulado = adquirir um modo de ser e de viver no estilo do Mestre.
Passo importante é revigorar a catequese com adultos. É válida a preocupação da catequese com crianças, mas como afirma João Paulo II esta catequese é a “principal forma de catequese, porque se dirige a pessoas que têm as maiores responsabilidades e a capacidade para viverem a mensagem cristã na sua forma plenamente desenvolvida e porque o mundo é governado por adultos; a fé destes, portanto, deverá ser continuamente esclarecida, estimulada e renovada, a fim de impregnar as realidades temporais por que eles são responsáveis”.[31]
O documento de Aparecida evidencia muito a iniciação à vida cristã, porque temos alta percentagem de católicos sem a consciência de sua missão de ser sal e fermento no mundo, com identidade cristã fraca e vulnerável[32] e que isto constitui grande desafio que questiona a fundo a maneira como estamos educando na fé e como estamos alimentando a experiência cristã, porque, ou educamos na fé, colocando as pessoas realmente em contato com Jesus Cristo e convidando-as para segui-lo, ou não cumpriremos nossa missão evangelizadora.[33]
A iniciação cristã, que inclui o querigma, é a maneira prática de colocar alguém em contato com Jesus Cristo e iniciá-lo no discipulado.[34]
A inspiração catecumenal tem duas características principais: privilegia adultos e não crentes e redescobre a riqueza da catequese dos primeiros séculos da Igreja. Enquanto a catequese hoje permanece centrada no mundo das crianças de famílias ligadas ao catolicismo, o estilo catecumenal adota uma posição aberta ao mundo não-cristão e ao mundo dos cristãos afastados ou que não foram formados numa perspectiva de discipulado, como também se inspira nos primórdios da Igreja, especialmente da prática catequética dos séculos II, III e IV.
A maioria dos católicos jovens e adultos nunca recebeu essa iniciação. UMA LACUNA PASTORAL GRAVE! Por isso, muitos católicos entram em crise de fé e chegam a procurar outras confissões cristãs ou esotéricas, inserem-se dentro do mosaico religioso hoje oferecido.
CONCLUSÃO
O que se pode concluir de toda esta reflexão? Que as condições objetivas para se realizar uma mudança no nosso estilo de catequese são bastante claras; há muita lucidez em relação a esta necessidade de mudança. O documento de Aparecida é incisivo ao afirmar que, assumir a iniciação cristã exige não somente uma renovação da catequese, mas também uma reestruturação de toda a vida pastoral da paróquia (n. 294). Material sobre o assunto aqui discutido não falta. Hoje temos em abundância.
A questão que se coloca é de ordem subjetiva, ou seja, como proceder junto aos nossos Agentes de Pastoral, nossos (as) Catequistas para compreenderem que não podemos continuar como estamos. Aliada a esta questão, surge a necessidade de se estabelecer procedimentos, definições com programas e estratégias a fim de que uma catequese com estilo catecumenal possa ser construída.
BIBLIOGRAFIA
- Ritual da Iniciação Cristã de Adultos, (RICA), Paulinas, 2003.
- Antonio Francisco Lelo, Catequese com estilo catecumenal, Paulinas, 2008.
- ___________________, A iniciação cristã – Catecumenato, dinâmica sacramental e testemunho, Paulinas, 2005.
- Leomar Antonio Brustolin e Antonio F. Lelo, Caminho de Fé, Itinerário de preparação para o batismo de adultos e para a confirmação e eucaristia de adultos batizados, Paulinas, 2006.
- Pe. Lúcio Zorzi, Uma proposta de catecumenato com o RICA simplificado, Paulinas, 2006.
- Ir. Nery, FSC, Catequese com adultos e catecumenato – história e proposta, Paulus, 2001.
- Diretório Nacional de Catequese, doc. 84 da CNBB.
- Cassiano Floristán, Catecumenato, história e pastoral da iniciação, Vozes, 1995.
- Documento de Aparecida
- João Paulo II, Exortação Apostólica Catechesi Tradendae, Edições Paulinas, 1980.
- Congregação para o Clero – Diretório Geral para a Catequese, Paulinas, 2009.
- Iniciação à vida Cristã – um processo de inspiração catecumenal – Estudos da CNBB, 97.
[1] Texto apresentado no CONSER - Conselho Episcopal da CNBB – Nordeste I, em 14.04.2010
[2] Iniciação à Vida Cristã – um processo de inspiração catecumenal – Estudos da CNBB n. 97
[3] Cf. Lelo, A.F. Catequese com estilo catecumenal, Paulinas, 2008, p. 21.
[4] João Paulo II – Exortação Apostólica Catechesi Tradendae, Paulinas 1980, nº. 23
[5] Cf. Lima, L.A. A iniciação cristã ontem e hoje – história e documentação atual sobre a iniciação cristã, in, Revista de Catequese, ano 31, nº. 126, p. 7.
[6] Tomo aqui como referência o 3º. Cap. do livro Catequese com Adultos e Catecumenato – história e proposta, do Ir. Nery FSC, Paulus, 2001, pág. 36-41.
[7] Tomo aqui como referência o cap. III do subsídio Estudos da CNBB n. 97 – Iniciação à vida cristã, um processo de inspiração catecumenal –Edições da CNBB, 2009, pp. 45 – 59 (daqui para frente denominado simplesmente de Doc. 97).
[8] Diretório Nacional de Catequese, Doc. da CNBB nº. 84, Paulinas, 2007, nº. 47.
[9] Ritual de Iniciação Cristã de Adultos – RICA, Nº. 25.
[10] Ibid, ibid.
[11] RICA, nº.38.
[12] Cf. Documento de Aparecida nº. 290.
[13] Tomo como referência o cap. 6º. do já citado livro Catequese com Adultos e Catecumenato – história e proposta, do Ir. Nery FSC, Paulus, 2001, pág. 58-65.
[14] C.Floristán, Catecumenato – história e pastoral da iniciação, Vozes, 1995, 148-152.
[15] Decreto do Concílio Vaticano II Christus Dominus, nº. 14.
[16] Constituição Sacrosanctum Concilum sobre a liturgia, nn. 64-68 e 71.
[17] Decreto Ad Gentes, n. 14.
[18] C.Floristán, Catecumenato... p. 151.
[19] Ritual de Iniciação Cristã de Adultos – RICA, Paulus, 2001.
[20] João Paulo II, Exortação Apostólica Catechesi Tradendae, nº. 43.
[21] Catequese Renovada – Orientações e Conteúdos, doc. 26 da CNBB, Edições Paulinas, 1983, n. 130
[22] Diretório Geral para a Catequese da Congregação para o Clero, Paulinas, 2009, 63-68 e 86-91.
[23] Diretório Nacional da Catequese, doc. 84 da CNBB, nn. 35-38.
[24] Diretório... nn. 45-52 em especial o n. 48.
[25] Documento de Aparecida, nn. 286-294 trata da iniciação cristã e o n. 287 indicou os elementos na elaboração do documento Estudos da CNBB, n. 97 – Iniciação à vida cristã – um processo de inspiração catecumenal.
[26] Pe.dr. Luiz Alves de Lima, Evolução histórica da iniciação cristã: catecumenato, catequese doutrinal, preparação para os sacramentos, (Mimeo), Encontro Regional de Catequese, 10-14. 10.05.
[27] Cf. Leomar Antonio Brustolin e Antonio Francisco Lelo, Caminho da fé – Itinerário de preparação para o batismo de adultos e para a confirmação e eucaristia de adultos batizados – Livro do Catequista Paulinas, 2006, 15.
[28] Cf. RICA, 19.3
[29] Cf. RICA, nn. 19 e 98.
[30] Diretório Nacional, n. 45
[31] João Paulo II, A Catequese Hoje, Paulinas 1980, 43. A mesma idéia aparece em CR 130.
[32] Doc. Aparecida n. 286.
[33] Doc. Aparecida n. 287
[34] Doc. Aparecida n. 288
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